sexta-feira, 1 de maio de 2015

Formas de amor.

Eu fiquei ali olhando. Estava em pé, sentei, cruzei as patas. Olhei, olhei. E você ali, em pé, em frente ao fogão. Mexendo a panela. Um cheiro maravilhoso descia. Uma fumacinha quente e aconchegante me emocionava. E você, a coisa mais linda. Até me perco quando deito aqui e fico te olhando. Esqueço a fome, sua presença me conforta tanto. É tão bom ter você aqui. Mas esse cheiro... 

- DESCE, DESCE, JUJUBA!!!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Muita gente por aí...

- Ei, eeeei - ouvi quando toquei na maçaneta - aonde você vai?
- Ué... vou para a Cinelândia apoiar os professores.
- Tá doido garoto. Não vê o noticiário? A polícia da reprimindo com truculência!
- Mas pai, nós é que deveríamos estar lá... Protestar é crime?
- Claro que não é crime... Mas está havendo muita violência nesses atos.
- Tudo bem, eu vou tomar cuidado.
- Não é melhor deixar o movimento lá cuidar disso.
- Que movimento?!? Não tem movimento, somos nós.
- Nós quem?
- Eu, você, minha irmã, a mamãe... Pai não tá certo, não tá certo isso! Como que não tem dinheiro para o salário dos professores. Você acha mesmo que é possível continuar como uma situação dessas. Tem dinheiro para tudo, menos para isso?!? Aliás, salário de professor é investimento...
- Bom filho... espera um pouco...
- Não dá pai... não dá para esperar mais... eu vou agora.
- Espera um pouco, vou trocar de camisa e colocar um tênis... eu vou com você.

domingo, 26 de setembro de 2010

Por que a gente esquece então...

Andei lendo sobre você, que história! Não o conhecia. É engraçado isso. Eu estava com o jornal na mão, o jornal que sempre leio. Nunca tinha dado bola para uma determinada coluna, mas esses dias soube que você morreu e, passando os olhos pelas letras grandes, li um dos títulos: "Uma homenagem a Amaro". Naquele momento estava ouvindo uma música popular causadora de uma sensação de saudade que não me lembro qual. Isso trouxe coragem para ler a coluna do jornal. Descobri que você foi campeão pelo América, jogou pelo Corinthians, pela Seleção Brasileira e até pelo Juventus da Itália. Trocou passes com Pelé, marcou bem o Garrincha... Foi um grande jogador. Poxa vida. Você estava por aqui, jogando ainda suas peladas e nós nem aí para nada. Que pecado. Quantas histórias mais podemos encontrar presentes ainda nesse mundo, são presentes mesmo. No momento em que eu lia fiquei tão emocionado que chorei, não sei o porquê. Por que temos que esquecer? Por que temos que esquecer? Seria mais humano lembrar... A emoção foi tamanha que me pareceu uma boa música aquele time do Mequinha com Djalma Dias, João Carlos, Quarentinha, Pompéia, Nilo, etc. E Amaro é claro. Você me parece ser boa gente. Desculpe só lembrar de você agora, quando o conheci... Mas desculpe também por aqueles que não deveriam tê-lo esquecido. Vem aqui me dá um abraço logo antes que esqueça. Por que a gente esquece, então?

sexta-feira, 19 de março de 2010

Estava no céu...

Estava no céu, de alguma forma eu cheguei lá. Bebi bastante no dia anterior e provavelmente, uma besta que sou, devo ter dirigido. Olhando para trás, lembrando de alguns momentos inesquecíveis da minha vida, não pude deixar de observar o quanto eu não merecia estar ali. Lógico que não pensei em voz alta. Não entendo como pode acontecer tamanha confusão. Na fila do elevador havia três pessoas na minha frente. Acredito que aquele elevador deveria ser o destinado a pessoas da mesma região que a minha. Obviamente merecedoras de tal graça. Falo isso porque eu conhecia as três pessoas. Moravam no meu bairro. Um médico, um juiz e um padre. Cara, eu me arrepio até agora de lembrar do grito das pessoas que desciam. Lembro-me bem do momento em que o ascensorista exclamou: - Bem, faltam três! Na minha frente os três sorriram. Eu pensei: “filhos da .... !” E logo depois me arrependi. “Será que pensamento conta? Putz... Se já estava difícil conseguir uma vaga, agora então fu... de vez!” e os pensamentos se descontrolaram “calma, respira, pensa numa folha branca”; “pô, é muita pressão, eles têm que compreender e anistiar alguns pensamentos”; “que injustiça”. Eu senti que o jogo ia virar quando eu vi que o ascensorista estava com a camisa do Flamengo por baixo do uniforme. No desespero, tentei uma malandragem. Neste instante senti que os ventos estavam a meu favor. Comecei a cantarolar o hino do mengão bem baixinho para não explanar... O ascensorista esticou o pescoço como se procurasse de onde vinha o som. Disfarcei um pouco, para não dar pista de que fazia com segundas intenções. Ele fez gestos que, de onde eu estava, de canto de olho, me criou a esperança de que o plano funcionara. Mas que nada... O couro comeu... Dois guardas se aproximaram e começaram a me empurrar, perguntaram se eu sabia ler e me deram tapas na cara para eu direcionar meu rosto para o que estava escrito no cartaz. “Putz grila”. Só na quinta bordoada fiquei tranqüilo para ler o que estava escrito. “Não acredito que não vi uma placa enorme daquelas”. Os caras eram truculentos e os muquiranas da fila ao invés de ajudar iam passando na minha frente. Espremiam-se. Iludidos de que apertando caberia mais no elevador. Entre um chute e outro, uma cacetada na barriga e uma cotovelada, fui vendo o tanto de gente que estava naquela fila. Comecei a sentir a cabeça pesada e já estava de joelho quando consegui ter sobriedade para analisar aqueles infelizes. “Pô, tem até político nessa fila, árbitro de futebol, ex- BBB”; “Não é possível”; “que mole que eu dei, tava fácil, fácil entrar”. A última cena que me lembro é do rosto do capanga cheio de ódio antes de soltar mais uma paulada. Reuni o último suspiro e gritei: - Que merda de céu!! Não sei se os caras continuaram me batendo ou não. Meus pensamentos voaram, cai num sono profundo. Sonhei bastante. Sonhei com os amigos, com meus irmãos, meus pais, e depois acabei lembrando que tive algumas atitudes na vida que poderiam até me render uma suplência no céu. Acho que nessa hora se alguém estivesse me observando deveria me ver com um sorriso de canto de boca. Realmente fiquei feliz com aquele sonho. Acordei numa cama de hospital. “Putz, fui para Terra de novo”. Reparei melhor e estava tudo muito organizado para ser a Terra. Pelo menos que eu me lembre eu não tinha Plano. O quarto era branquinho, parecia o céu. “Ué, peraí. Será?”. Olhei para um lado, olhei para o outro e avistei um vaso com flores e um cartão com o meu nome no criado-mudo. Abri o cartão e li: “Caro Senhor, blá blá blá desculpe-nos pelo transtorno blá blá blá enviá-lo para o lugar errado e blá, blá, blá”. Hahahahahaha. Ainda não consegui parar de rir...

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Diálogos com o cotidiano: ônibus.

Todo dia. Porta arbitrária. Só abre quando quer. Passa do ponto. Não há ponto certo. No Rio de Janeiro é assim. Todo dia. Freadas bruscas em qualquer parada. Sem necessidade. Todos já veem como normal. Na verdade, aceitam. Não agüentam a recusa quando precisam do mal. Brigam feito mulas se não param fora do local. Andar parece sacrifício então. Para janela correm. Uma dádiva ficar sozinho. Levantar não se pensa. Sucumbem ao cansaço diante de um velho pedaço de ser. Humanos são todos. Todos. Que diacho. Eu também.

domingo, 16 de novembro de 2008

Você pensa demais!

- Eu penso antes, você, durante, esse é problema!
- Tá só porque eu errei já vai me colocar com os porcos?
- Não é isso, nem vem, eu sempre falo para você tomar cuidado com esse seu jeito de decidir as coisas, mas você nunca ouve ninguém.
- Tá, tá, você sabe tudo!
- Olha só, tá vendo! Essa conversa seria uma ótima oportunidade para você pensar e decidir sobre questões futuras, que com certeza vão ocorrer, mas você quer ouvir? NÃO.
- Diz aí, você quer mesmo prever o futuro?
- Putz, isso me irrita...
- Sério, fala para mim: você quer advinhar o que vai acontecer?
- Não, claro que não. Acontece que se hoje traçarmos ao menos um plano geral do que realmente queremos nessa vida, no momento em que a vida nos impuser um dilema, será facil decidir...
- E você acha que a vida é fácil assim...
- Não estou dizendo que a seja fácil a vida, estou argumentando que será fácil decidir... o acerto ou erro são normais...
- Então, o que você está me dizendo é que tanto faz, pensar hoje ou pensar na hora, se tudo pode dar certo ou errado da mesma forma...
-Acontece que a diferença está na medida do arrependimento. Uma pessoa arrependida pode passar a medir seus atos a partir de um erro, justamente por que não sabia o que queria num momento de decisão. Isso pode afetar a espontaneidade, a naturalidade com a qual ela deveria viver...
- Hm! Interessante...
- Ao passo que se você erra convicto de que se sua vida voltasse ao passado um milhão de vezes, a sua decisão seria a mesma, então...
- Então você é um tapado! Putz, um milhão e ainda não decorou o caminho certo? Vai me desculpar mas essa pessoa é uma porta...
- Ai meu Deus...
- Oh! Você pensa demais...

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Escuridão, o sentido que perdi!

Escuridão, o sentido que perdi!

Não posso aparentar fraqueza, acho que todos aqui idealizam um porto seguro em mim. Sou pai de família. Meu filho mais velho tem 16 anos hoje, exatamente hoje, 05 de outubro de 2008. Pela primeira vez vou votar depois de fiquei cego.

Achei que enfrentaria com mais coragem esse momento, mas estou com receio de sair do quarto, nos últimos três anos em que minha visão vem sumindo gradativamente, estava certo de que chegaria à perda total mais confiante sabendo ler pelo menos. Mas é muito difícil... Ai... (respira fundo)... Ai, ai...

- Pai, vamos... – falou da sala.
- Não você não vai comigo!! – gritei de volta.

Minha mulher apareceu depois do meu grito, inquieta.

- Amor... O que é isso!
- Meu bem, não quero que o Rafinha venha comigo. Quero ir sozinho, quer dizer, só contigo. Nós dois.
- Mas querido, ele vota em outra seção, a do colégio dele, então vamos os três juntos só até a esquina. Fique calmo vai dar tudo certo.

Infelizmente não conseguia sair sozinho ainda. Tenho que admitir, quero não dar trabalho, mas estou muito limitado, não me adaptei a escuridão total. Ah, Jesus! Então é isso vamos...

- Rafinha, vai chamar o elevador meu filho! Seu pai está quase pronto.
- Tá bom! Mãe, você teria alguns reais aí? É que o pessoal depois de votar vai para lanchonete, vamos ficar conversando, discutindo sabe, questões políticas.
- Sei... Política... Toma aqui, só isso que eu tenho...

Sapato, as duas meias estão aqui... Camisa abotoada... Bom, não falta nada.

- Meu bem – gritei – vem ver aqui, rapidinho, se as meias são da mesma cor!
- Olha, você está lindo, só me deixa ajeitar esses botões... Pronto, perfeito.
- Oh! Pai não vai votar errado hein! – risos – porque se você escolher com o mesmo critério que escolheu seu time, estamos fritos!
- Ah! Seu moleque, de olhos fechados eu ainda tenho mais noção que você. Ha, Ha, tem que comer muito feijão para me alcançar, e o seu time nem em cinqüenta anos alcança o meu!
- Chega de brincadeira crianças, vamos...

A nova vida que levo é desafiadora, desafio todos os sentidos que possuo, a cada segundo. Preciso estar bastante atento, concentrado, para desenvolver habilidades que me possibilite mais independência. Mas é cansativo. Que preço se paga para perceber o dom divino com o qual nascemos que nos permite ir ao banheiro sem escorar nas paredes... Andar nesse imenso mundo sem ninguém segurando seu braço... Liberdade.

- Opa, quase cai... O que houve?
- Um buraco na calçada...
- Tchau, mãe... Até mais pai...
- Vai com deus.

O garoto está crescendo. Que bom vê-lo exercendo sua cidadania. Eu sei que votar é o mínimo que se pode fazer. Ele é novo, não tem tanta experiência para escolher com segurança seu representante no executivo e no legislativo, mas quem tem, não é mesmo? Errar ao votar é compreensível. Votar por votar é que não concordo. A pessoa deve se esforçar o mínimo que seja para que se possa considerar que escolheu. É preciso fugir da imagem vazia.

- Chegamos, amor. Vem , por aqui... Cuidado... Tem um degrau aqui... Isso...
- Tem fila?
- Tem, mas é pequena não vamos esperar quase nada!
- Estou meio nervoso...

Um beijo. Essa mulher é tudo na minha vida. Passei os últimos meses tentando aprender a ler em braile. Ela me ajudou muito, depois de um dia de trabalho me ajudava até altas horas da noite... Mas acho que não vou conseguir...

- Vem amor é sua vez!
- Ele ainda assina, Senhora?

Ouvi a pergunta, deve ser a mesária. Ora, não sou surdo pô. Que merda!

- Olha eu ainda posso ouvir, tá bem?
- Descupe Senhor eu não quis...
- Tá certo... Amor guia minha mão aqui até o caderno.
- Senhora, ele vai precisar entrar sozinho tudo bem – ouvi a voz.
- Ah tá, mas eu sou a esposa dele, viu?
- Oh, não vou admitir que você continue falando com se eu não estivesse aqui, tudo bem? E essa aqui é minha mulher.
- Tudo bem, mas o voto é secreto, sua presença na cabine viola a lei eleitoral, não posso permitir, me desculpe!
- Deixa, está tudo bem, eu vou sozinho!

Conduziram-me até a cabine, já estava tomado pelo nervosismo. As pessoas da fila sussurravam impaciências. Agiam de forma mesquinha, não admitindo a perda de tempo que minha dificuldade lhes impunha. Aquilo foi me deixando extremamente triste, minha face talvez não escondesse a contrariedade que sentia. A garganta tinha um nó... raiva, angústia, tristeza, vergonha... Pude sentir as teclas da urna. O relevo das palavras em braile nada me dizia. A memória me traiu... Apertei seis teclas e não tive a certeza de que escolhera o meu candidato...

- Moça a minha esposa não pode vir aqui me indicar as teclas, depois ela sai...- supliquei, com a voz entristecida e embargada... As lágrimas já pressionavam os meus olhos, e eu entortava a boca para conter o ímpeto delas.
- Infelizmente não...

Eu sentia que multidão se inquietava, não percebia solidariedade, as pessoas se apresentavam tão cruéis... Meu filho, papai não pode escolher direito... Senti a lágrima percorrer meu rosto, apoiei as mãos na urna e não contive o choro, minhas pernas não eram mais comandadas por mim. Tremiam... Minha cabeça balançava negativamente, inconsolada. Apertei mais três teclas... A sensação é que perdi... Desolado, fui acolhido pelo meu amor. A esperança é que as outras pessoas escolham! Vou enxugar as lágrimas, tentar recuperar o sentido, mas...

(Leo Saoli, Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2008)