sábado, 12 de abril de 2008

Tarde Bela...

Uma estrada vazia, sem curvas, para os dois sentidos apenas uivos dos ventos. Vasto verde à beira da estrada, provavelmente aquele homem estava ali em pé, olhando a estrada, já a algum tempo. Como se esperasse algo e não houvesse hora para acontecer, uma eternidade. A noite chegaria logo.


Naquela chuva,

no verão,
alguém lhe cobriu.

Naquela tarde,
você se machucou,
quem lhe deu a mão.

Se lembra dos domingos
o dia era tão lindo
alguém lhe abraçou...

Chegou feliz da vida
e com os amigos
foi viver

"Ha, ha, ha". Um risada gostosa, divertida. "E aí? Vamos lá?". Amigos reunidos, televisão ligada numa sala quadrada, um sofá confortável e uma mesa de centro. Jovens. Uma mulher nova e bela entra trazendo uma bandeja com petiscos para a turma. "Ah! Mãe valeu... o pessoal nem tá ligando muito para comida". "E vocês vão ficar bebendo sem comer nada... nada disso!". Horas depois, todos riam da última piada. Chega o momento de partir. "Cadê a chave?!?".

Vento no rosto
um lamento dos pais
um silêncio, um sufoco,
tormento...

Vento no rosto
um lamento dos pais
um silêncio, um sufoco,
tormento...carro fatal

O dia se despediu a tempo de não ver aquele homem se desfazer. O corpo imóvel que contemplava aquela estrada como se de cera fosse, sem alma, num segundo enrijeceu a face, enrrugou-se, num outro encolheu os olhos e logo fez chover, uma tempestade sobre o seu mundo. Seus ombros não aguentaram e uma corcunda se apresentou para incliná-lo, tirá-lo do eixo e fincar seus joelhos no chão...

"Tarde bela
Tu navegas em meu pensamento
te espero no silêncio desse tempo

A saudade é forte
Arde no meu peito
és o amuleto
que me faz ficar"




terça-feira, 1 de abril de 2008

Van experiência

Fim do dia. Cai a noite. cachorros latindo, rua de terra batida, casa simples, dois cômodos, família reunida. Mãe e três filhos: uma jovem senhora, um rapaz e duas meninas. Mesa posta, arroz, feijão e batatas cozidas. Hoje não tem carne.

- Meu filho, você precisa arrumar logo esse emprego, como foi hoje?
- Poxa! Não quero falar agora, deixa minha cabeça descansar um pouco!
- Sua irmã amanheceu com febre, não tem como você falar com aquele seu amigo do posto...
- Unf...


Claudionor desde que completara dezoito anos procurara auxiliar a mãe e as duas irmãs, mas era massacrado por constantes insucessos. Sua cabeça estava prestes a explodir. Todo dia o que mais lhe desagradava era ter que informar suas derrotas. O caminho longo, árido e cansativo que percorria todos os dias não incomodava. Angústia mesmo sentia quando sentava à mesa, no fim da jornada.

A noite passada atormentou sua cabeça. Quase não dormiu, mas bem cedinho abriu os olhos. Ergueu o corpo sentando no seu colchonete seco no meio da sala e contemplou à sua volta. Uma pequena TV, paredes descascadas da última enchente, sofá ausente e a porta... Símbolo do início de cada nova batalha.

Arrumou-se. Celular no bolso, chave de casa, tirou o brinco – “pareça o mais normal possível e mostre que tem caráter” ouviu de um grande amigo de seu pai, feirante da região, não concordou de início, mas àquela altura, não dava para arriscar -, abriu a porta.

Colocou os dois pés sobre o capacho, inflou seu peito com ar puro e contemplou com a cabeça erguida... Montanhas verdes. Olhou para as casinhas mais distantes, olhou para os lados e não avistou qualquer veículo. Rapidamente, então, pôs-se a marchar tal qual um atleta de marcha olímpica, porém, não tão rápido que o fizesse suar, nem tão devagar que permitisse ser atacado pela poeira que subiria da rua sem asfalto quando a primeira carroça o ultrapassasse.


Alcançou a primeira rua asfaltada e seguiu por ela. Não era o caminho mais curto, mas era o melhor caminho. Claudionor já havia percebido que para vencer seria preciso muita concentração, não poderia repetir os erros. Muitas vezes achou não ter conseguido o emprego em razão de chegar todo suado, mulambento. Seu caminho até a Capital do Rio era longo e ele não poderia mais falhar. Por isso, acordava mais cedo para poder fazer o trajeto com mais calma. Escolheu o caminho mais longo até o ponto da van, porém com ruas asfaltadas, o que evitaria a poeira permitindo desembarcar no Rio de forma apresentável.

Na hora de escolher a van a mesma coisa. Como acordava cedo, aguardava que saísse aquela van com ar condicionado, do contrário, tudo estaria perdido.


- E aí Nonô?! Vai tentar a sorte de novo – gritou um conhecido que se considerava mais íntimo do que deveria, sabe como é, né?

- É! - respondeu Claudionor, seco e concentrado, não alimentando o ímpeto do sujeito em continuar falando, aliás, odiava que o chamassem de Nonô.

- Quer saber Nonô, não sei o que você vai fazer lá embaixo, posso dizer com sinceridade, já trabalhei numa empresa muito grande lá no Rio e digo uma coisa: NÃO VALE À PENA! Todo mundo só quer que você rale, rale, rale e na hora de reconhecer o talento, de dar um aumento, uma folguinha a mais que seja, o que se recebe é um NÃO, bem alto e sonoro! A melhor coisa que você faz é ficar na tranqüilidade que a gente tem aqui, aqui todo mundo é irmão, é parceiro, não tem essa de crocodilo e...

Em determinado momento Nonô, quer dizer, Claudionor, já havia deixado de registrar as palavras do sujeito. Aplicava a técnica que desenvolvera chamada “Sei... Hum, hum... É mesmo...”. Consistia em reproduzir palavras que podiam sair automaticamente sem que precisasse refletir sobre a mensagem do interlocutor o que lhe permitia conversar sem gastar energia nem se estressar, assim, não magoava o interlocutor e todo mundo saía feliz e contente.

A van com ar condicionado então se posicionou, ela seria a próxima para o Centro do Rio. A primeira etapa do trajeto rumo ao sucesso tinha sido completada com perfeição. Claudionor sentou-se perto da janela na segunda fileira de bancos (a primeira costuma ser mais apertada) e sentiu uma sensação de vitória, sabe criança quando passa de fase naquele jogo de vídeo-game complicadíssimo, então, representava o semblante dele.

A van estava quase cheia, o que significava que logo iria partir e com isso Claudionor chegaria com folga ao seu destino. Motor ligado, ar condicionado na medida, pessoas conversando, o sol começava a ocupar o seu lugar. A porta da van se fecha e o carro começa a se mover. Do lado de fora, um grito:

- É Rio, vai pro rio, vai mais dois, mais dois...

Ao lado do Claudionor não havia ninguém o que significaria que as duas últimas pessoas obrigatoriamente sentariam ao seu lado. O grito Claudionor não registrou, pois estava muito concentrado, mas quando a van parou, ele levantou a cabeça.

- Meu Deus! – falou baixinho resignado.


Quando olhou pela janela, o que via retirava de sua face o ar de tranqüilidade que até então preservara. Caminhavam em direção à van duas pessoas, uma delas um rapaz magro, moreno, bigodinho da moda, cabelo amarelo... Até aí tudo bem. A outra pessoa: uma senhora imensa, gorda, com uma sacola grande, gigante... Uma... Em cada braço!

À medida que eles caminhavam em direção à van Claudionor, só pensava numa coisa, quer dizer em duas, digo, na verdade não pensava, não conseguia pensar, mas falava em voz baixa sussurrada e sofrida:

- Caracas, vai amassar toda a minha camisa... Tomara que ela sente na outra ponta...

É que cada fila de assentos de uma van tem três lugares (exceto a do fundão), se a senhora sentasse no meio, fatalmente sua camisa, cuidadosamente esticada fio por fio por um ferro de passar da energia racionada de sua casa, estaria fadada a virar maracujá. Por outro lado, numa iluminação divina, caso o maluco do bigodinho fosse solidário o suficiente para sentar no meio, e era essa sua prece, haveria uma chance dele, Claudionor, salvar sua camisa.

Não houve jeito, numa jogada de mestre o maluco do bigode, permitiu a ultrapassagem da senhora e foi o último a entrar. Claudionor, humildemente, registrou essa nova lição: ‘seja sempre o último a entrar’.

A senhora, então, sentou ao seu lado e Claudionor passou a tentar que seu estado psicológico também não fosse afetado por aquele baque.

- Ai, Ai – gemia a senhora tentando acomodar as duas bolsas em seu colo – Nossa, tá difícil, meu deus do céu, ai, ai – e já era o segundo sinal que a senhora dava para que alguém lhe ajudasse.

Com muita dor no coração Claudionor se fez de desentendido, já não bastava chegar ao Rio igual a um maracujá não poderia chegar mancando por carregar nas pernas uma daquelas sacolas, elas pareciam muito pesadas. Foi então que o mestre do bigode lhe deu mais uma lição. A van mal começou a andar e ele já dormira, quer dizer, ou Claudionor ajudava, ou a Senhora iria lhe mostrar que sim, poderia ir da Baixada até o Rio reclamando.

Mas não foi isso o que pensou, ele viu que sendo mesquinho não chegaria a lugar nenhum. E Já que estava todo amassado mesmo, não lhe custaria nada aquele gesto...

- Senhora, senhora – cutucou gentilmente aqueles braços que o espremiam contra a janela - dê-me aqui uma destas bolsas, eu lhe ajudo!

- Ai, meu filho, eu não quero lhe aborrecer...
- Senhora, por favor... – Claudionor, retirou-lhe a força com muito cuidado, pouca paciência e posicionou aquele peso todo em cima das pernas e pensou ‘só não posso começar a suar’.

A senhora sorriu e agradeceu dizendo que estava muito velha e que sofria de não sei o quê e.... “Sei... Hum, hum... É mesmo...”. Claudionor até buscou extrair daquele sorriso a lembrança de sua querida avó, ‘que saudade’, mas logo desistiu e passou a contemplar o que se passava pela janela e lá no fundo dos seus pensamentos uma lição "durma cedo".